As Mães que Trabalham São Culpadas? - Livro


As Mães que Trabalham São Culpadas?


Sylviane Giampino Capa mole. AMBAR 2004

Divididas entre a profissão e os filhos, estas mulheres vivem numa roda-viva. E sentem-se culpadas. Umas vão encontrando uma saída no trabalho a meio-tempo, outras vão inventando ligações à distância. Inês Martins, de 32 anos, trabalha na área de marketing em regime de 75 por cento. A redução do horário de trabalho para seis horas diárias foi a forma que arranjou, há cerca de 12 meses, para estar mais tempo com o filho de quatro anos.
“Apesar do António estar bem cuidado e acarinhado pela avó, pois está sempre disponível para o neto, começava a sentir que a minha vida profissional preenchia totalmente os meus dias. Não tinha tempo para ele nem para mim”, observa. Inês nunca chegava a casa antes das 20 horas, altura em que ia buscar o filho a casa da mãe e, a um ritmo alucinante, dava início às tarefas habituais: dar-lhe o banho e o jantar e, por fim, deitá-lo. “A maior parte das vezes o António queria ficar com a avó, pois certamente sentia que podia fazer tudo isto sem pressas, numa atmosfera mais tranquila”, explica. E acrescenta: “Desde que pedi a redução do horário em 25 por cento ganhei duas horas diárias e te-nho tempo para fazer tudo com calma, para brincar e passear com ele. E ainda tenho tempo para mim. Na empresa faço o mesmo que fazia, só que em muito menos tempo. Mas vale a pena, pois sinto o António mais tranquilo. Antes, era muito irrequieto, chegando mesmo a ser conflituoso com as outras crianças.”
As mulheres portuguesas são as que mais trabalham dentro e fora de casa e também as que ganham menos. O trabalho não remunerado passa maioritariamente por elas, ainda que tenham uma profissão remunerada no exterior e uma carga horária idêntica à do companheiro. Queixam-se de falta de tempo para a família e sobretudo para os filhos, algumas assumem uma culpa corrosiva face a este estado de coisas. Mas seria diferente, se decidissem declinar a vida profissional para abraçar exclusivamente as suas crianças?
Uma mãe que trabalha é culpada, mas uma que não trabalha também, porque ambas são mães e mulheres. É o que garante a psicóloga e psicoterapeuta francesa Sylviane Giampino. “A primeira encontrou uma boa razão para se sentir culpada relativamente aos filhos: a sua ausência. Ausência devida ao seu trabalho no exterior, e à sua falta de disponibilidade em casa, devido ao trabalho doméstico e às preocupações profissionais. A segunda está entregue a uma culpabilidade ambulante; sente-se mal consigo pela falta de paciência para os filhos, ou ainda por protegê--los demais em detrimento da sua autonomia”, afirma no seu livro As Mães que Trabalham São Culpadas? (Ambar).
“A maternidade é feita de tal maneira que uma mulher que a assume penetra num universo mágico, comovente, que a fragiliza e a transforma, que a inquieta e a enleva. De dúvidas em esperanças e de lutos em alegrias, a criança coloca-a num cume exposto a tudo, entre o vale das delícias e o vale das angústias. Ter filhos e tratar deles é, para a maioria das mulheres, uma sorte. Raras são actualmente as jovens que a tal renunciariam por razões profissionais ou ideais políticos.”

O que é necessário é ter uma noção das prioridades, fazendo apenas o essencial e deixando o acessório para melhores dias.

É muito habitual desenvolver-se um sentimento de culpa nas mães que têm uma profissão fora de casa. Segundo Mário Cordeiro, este não tem razão de existir nem adianta em nada. “O problema é que muitas têm uma necessidade enorme de se afirmarem simultaneamente como mães, profissionais, donas de casa, mulheres e amantes perfeitas”, observa. “O que eu acho um perfeito disparate. A imperfeição e o erro fazem parte da condição humana. O que é necessário é ter uma noção das prioridades, fazendo apenas o essencial e deixando o acessório para melhores dias. E, claro, tentar tomar as melhores opções de acordo com as possibilidades, os contextos e as circunstâncias, mesmo que depois se veja que não foi o melhor caminho. Mas o aperfeiçoamento é isso mesmo.”

Separar-se do filho é sempre uma experiência algo inquietante. Tal como é sentir que não se lhe pode dedicar o tempo que se acredita ser ideal. Os especialistas asseguram que as repercussões destas realidades na vida das crianças dependem de muitos factores. Nomeadamente da idade da criança, do apoio que tem, do tempo que está com a mãe e como esta usa esses momentos. “Se ao chegarmos a casa com um saco de congelados encontrarmos uma criança ávida de mãe (ou de pai) e nos pusermos de cócoras, abraçando aquele filho que vem disparado para nós, marcamos a diferença. Se o mimarmos durante 10 minutos, com muita intensidade de afecto, de contacto corporal, utilizando todos os sentidos, apertando-o, até ser ele próprio a despegar-se, então já cumprimos. Se, pelo contrário, dermos prioridade ao saco de congelados, então estamos a dizer-lhe que vale menos do que os douradinhos e as ervilhas…”, observa o pediatra.
Sylviane Giampino distingue quatro representações da presença materna, do ponto de vista da criança: a mãe ausente-ausente, a presente-presente, a presente-ausente e a ausente-presente. A maioria das mulheres que trabalham insere-se nesta última categoria. “Para estas crianças, as mães estão fisicamente ausentes em certos momentos, mas afectiva e simbolicamente presentes”, afirma na sua obra As Mães que Trabalham são Culpadas? E acrescenta: “Que a ausência da mãe seja ritmada regularmente, ao dia, à semana, ao ano, pouco importa… As mulheres, preocupadas com os seus filhos e investidas numa vida profissional, desenvolvem a arte de inventar ligações com eles à distância.” Cristina Lopes “inventou” dois telefonemas por dia – um de manhã e outro à tarde – para saber como está a ser o dia da filha e para lhe dizer, mais uma vez, que gosta muito dela. “Agora a Maria é uma pré-adolescente e já não gosta tanto da ideia, mas eu continuo a ligar a meio da tarde”, explica esta mulher de 36 anos.Inês Martins fez outra opção para ter mais tempo para o fi-lho. Uma escolha que fica a meio caminho entre aquilo que a lei estipula como direito às mães de menores de 11 anos e que é a possibilidade de reduzirem o horário de trabalho em 50 por cento. “Como isto significa uma redução do salário na mesma proporção, tivemos de fazer alguns acertos orçamentais”, lembra.
"As mulheres, preocupadas com os seus filhos e investidas numa vida profissional, desenvolvem a arte de inventar ligações com elea à distância."
E os casais que não podem fazer esta opção porque a situação económica não lhes permite? E quando a criança precisa de ir a uma consulta de rotina, exigindo, como tal, a saída da mãe do local de trabalho antes de cumprir o horário de trabalho desse dia? A sociedade não dignifica o trabalho das mães. Numa entrevista ao DN Magazine, a ex-vice-presidente da Assembleia da República, Leonor Beleza, contava uma história em que alguém dizia que nas empresas é preferível uma mulher argumentar que precisa de sair mais cedo para ir buscar o carro à revisão do que o filho à creche. “Muitas vezes são as próprias colegas – elas e não eles – que fazem cara feia quando uma mulher tem de ficar em casa porque o filho está doente”, lembra Mário Cordeiro, a este propósito. Por outro lado, não seria justo que de vez em quando o pai se ocupasse destes mesmos cuidados com os filhos? E, simultaneamente, desempenhasse, em paridade com a mu-lher, as tarefas domésticas? “É difícil para um homem declarar ao seu empregador que deve deixar o trabalho mais cedo para acompanhar o filho ao pediatra”, observa Sylviane Giampino, reconhecendo que, “felizmente, há homens a interessarem-se cada vez mais pelo que se passa em casa, e são muitos os que fazem questão de não se privarem de uma verdadeira proximidade com os filhos”.

"A sociedade pode fazer mais e melhor por estas mulheres (e homens) que decidem abraçar carreira e filhos.

Não deveria a sociedade implementar políticas integradas para a família e para a criança? “É pena que nenhum movimento de mulheres, designadamente os partidários e sindicais, tenha assumido que as mulheres podem ser trabalhadoras – muitas têm mesmo que o ser por motivos económicos – e podem ser mães, realizando-se nessa tarefa dicotómica”, observa o pediatra. A sociedade pode – e deve – fazer mais e melhor por estas mulheres (e homens) que decidem abraçar carreira e filhos, que desejam envolver-se profundamente no seu desenvolvimento, e ter algum tempo para si mesmas. “As leis do trabalho têm de ser muito melhoradas”, sublinha Mário Cordeiro. “Há que criar condições para que as mães – e pais – possam ficar até pelo menos um ano ou mais com os filhos, sem perderem em termos financeiros, laborais e de carreira. E mesmo sociais e culturais. Pagar um ordenado a todas as mulheres que ficam com os filhos sai mais barato, por ano, do que 25 quilómetros de auto-estrada. É tudo uma questão de opções políticas.” O pediatra sugere a adopção das políticas integradas para a família e para a criança, vigentes no Norte da Europa, a que se deve misturar um pouco de “imaginação portuguesa”, lembrando que esta não é uma questão feminina, mas um assunto de todos. “De mulheres e homens que se preocupam com o tecido social, com as famílias e com o desenvolvimento e o bem-estar das pessoas.”

Dados para pensar
• A Noruega é, provavelmente, o país mais desenvolvido do mundo, onde se produz mais e as mulheres têm mais lugares de chefia, tanto na vida económica como política. No entanto, é o país onde os pais passam mais tempo com os filhos
• Segundo um estudo, as mulheres portuguesas gostam de trabalhar e vêem na actividade profissional a sua liberdade. O trabalho dá-lhes valor social e reflecte-se positivamente na sua auto-estima e auto-imagem.
No que respeita à equidade, Sylviane Giampino sugere que se comece por falar de crianças cujos “dois pais” trabalham. “Com efeito, se as crianças têm necessidade de guarda, é porque nem a mãe nem o pai estão presentes devido às suas actividades profissionais.” Segundo a psicóloga, as crianças ficam aliviadas se conhecerem os motivos da ausência dos pais. Por isso, “deve-lhes ser dito: a mamã trabalha, assim como o pai, e em troca recebem dinheiro. Porque isso faz sentido para eles”. Neste meio tempo é importante que as mulheres encontrem esquemas psicológicos para fazer frente às contrariedades da falta de tempo. “Estas mães precisam de se descomplexar. Não exigirem demasiado delas e pensarem que têm vários ‘apartados’ na sua vida e que têm de os gerir de forma independente, mesmo com algumas pontes entre eles. Precisam de ter uma vida organizada, sem inventar problemas onde não os há, aproveitando bem o tempo que têm”, aconselha. “Os pais têm mais graus de liberdade do que pensam para mudar as suas vidas. Mas o Governo, o Estado e a Sociedade Civil, através das suas estruturas, podem fazer a diferença.”
Artigo retirado da revista Máxima

1 comentário:

  1. ...Obrigado,pelo artigo! Tenho a ajuda do meu marido para os meus dois pequeninos, mas é sempre dificil gerir o trabalho, as crianças e principalmente as trocas de turno...

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